14 de ago. de 2010

Comer-cia-aliza-ações do amor


Para Andréia Horta e Keli Freitas


Por que tudo é tão triste?

A beleza que existe,
a beleza que não é só minha,
que também passa sozinha.

-Por favor, sente-se. Eu só gostaria de saber um pouco mais da sua vida e como você está? Um colega meu falou de você.
-Adoro falar de mim. Ajuda a divulgar meu produto. Bom...
...
... aí botei o biquíni vermelho de bolinhas brancas porque era o que eu mais gostava e me sentia melhor. Homens e mulheres me olhavam. Estava me sentindo, aquele dia, a mais bela do Rio de Janeiro. Andava simplesmente. Eu estava passiva à vida e não queria que aquilo fosse um problema. Era como se o calçadão de Ipanema fosse a última oportunidade de ser livre, mulher e gostosa.
Parei pra tomar uma água de coco. Alguém se aproximou.
-Oi. Posso me sentar ao seu lado?
(Silêncio)
-Jean.
-Dora.
(Silêncio)
Andamos. Silenciamos. Bebemos. Silenciamos. Banhamos. Silenciamos. Comemos. Silenciamos. Rimos. Silenciamos. Observamos. Silenciamos. Cantamos. Silenciamos. Apreciamos. Silenciamos. Desejamos. Silenciamos.
Nós nos verbos. Depois substantivamos transar.
Seis meses depois, ele disse: “Estou confuso. Não sei se estou pronto.”
Um ano depois, eu disse: “Sabe qual é o meu medo de morar junto? É que você nunca mais passe essa colônia e coloque uma camiseta engomadinha pra jantar comigo.
Dois anos depois, dissemos: “Aceito”.

Haja o que houver, há de sempre ter um homem para uma mulher, e há de sempre haver para esquecer, um falso amor e uma vontade de morrer. Seja como for, há de vencer o grande amor, que há de ser, no coração, um perdão pra quem chorou.
Era lindo o modo como ele tocava e cantava aquilo no violão pra mim, como se não fosse. Me fazia chorar e amar mais um pouquinho, como se fosse possível.

Numa noite de festa, pedi que tocasse aquela música e ele falou que havia esquecido. (silêncio). Uma espada gigante e em brasa perfurou todo o meu estômago.
Nunca mais nós nos verbos, apenas nos verbalizamos.
Tudo era dito no passado.
Seis meses depois, dissemos: “Adeus.”
(Silêncio)
Um ano de reclusão total depois, eu disse: “Vou à feira.”
Eu tinha muito amor ainda dentro do peito. Muito.
Montei uma barraquinha toda branca. Tocava um João Gilberto. É o meu artista predileto. E coloquei uma plaquinha escrita: “VENDE-SE AMOR”

Seis meses de feira... sem muito sucesso de vendas... eu não consigo me lembrar muito bem dessa época, não sei o porquê...

Sei que um dia chegou um belo rapaz, de olhos esverdeados, vestindo branco, sorriso lindo e disse que sabia de um lugar onde o meu negócio iria fazer sucesso. Falou que podia me levar. Falou que tinha hospedagem, alimentação, tranqüilidade e todos que precisavam do meu produto. Eu fui com ele.
Hoje eu moro aqui, um lugar bem bonito, calmo, com muito verde, pessoas que cuidam de mim, me dão comida, bebida, música e em troca eu dou amor a todos eles. Eu passeio no gramado todas as tardes com meus amigos, sim, eu tenho amigos. Eu não me sinto só, nunca. O Rapaz da feira, disse que chama Jean, ele é muito atencioso, toda semana ele aparece pra conversar, leio coisas pra ele, canto pra ele, às vezes ele chora. Eu tenho certeza que o meu produto faz muita falta pra ele, por isso ele vinha sempre receber um pouco de amor. Faz uns dias que ele não aparece.
(Silêncio)
Eu tenho que ir agora. Tenho que atender umas amigas que estão precisando de mim. Podemos nos ver outra hora?

-Sim, com certeza. Pode ir. Muito obrigado.
-O que você faz da vida?
-Eu sou médico.
-Hum... que bonito. Como é o seu nome?
-Raoni.
-E o do seu amigo que falou de mim?
-É... hum... Jean.
-Ah! Mande lembranças! O que ele falou de mim?
(Silêncio)
-Eu não poderei dar seu recado porque ele está... é... em outro plano... mas ele saberá da sua lembrança... e o que ele falou foi que você é uma pessoa muito, muitíssimo, especial. Fique bem.
Silêncio. Lágrimas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário