30 de nov. de 2011

Mourão, Mourão

Quando eu era pequeno e caía um dente de leite, meu pai me levava pro quintal, colocava um banquinho de frente a um telhadinho que cobria os fundos da casa e mandava eu jogar em cima desse telhado o dente de leite, depois de dizer três vezes, com fé:
"Mourão, Mourão, toma teu dente podre e me dá meu são"
"Mourão, Mourão, toma teu dente podre e me dá meu são"
"Mourão, Mourão, toma teu dente podre e me dá meu são"
Aí depois eu saía todo feliz, mostrando pra todo mundo o vazio que aquele dente tinha deixado na minha vida. Era uma coisa feia, uma espécie de rombo no corpo, com carne exposta, buraco que não podia passar "um ventinho" sequer que doía, fazia-me lembrar daquele buraco. Mas eu o exibia todo feliz, sabendo que viria logo mais, um belo dente, grande, mais forte, mais límpido, mais tudo.
Um belo dia, ao terminar de jogar um dos dentes, pedir pro Mourão o dente são, meu pai foi interceptado pela seguinte pergunta:
"Painho, quem é Mourão?"
Depois de um longo longo longo silêncio, veio a resposta tão abstrata quanto a frase de efeito do Mourão:
"Um dia você saberá, Muka!"
Pensei por alguns instantes, percebi que nada entendi e segui meu ritual todo feliz, de mostrar meu vazio.
...
Hoje, quase vinte e cinco anos depois, sentindo um vazio enorme no peito, uma coisa feia, uma espécie de rombo com carne exposta que dói ao sentir qualquer brisa numa noite solitária, lembrei da frase do Mourão. Citei-a algumas vezes, rindo mas com a mesma fé e depois saí feliz, disposto a curtir a noite e compartilhar com todos aquele vazio no meu peito.
O que eu não sabia, era que o Mourão ainda podia me ouvir e tal qual foi minha surpresa, que ao chegar no local da noitada, estava lá: "um belo dente, grande, mais forte, mais límpido, mais tudo."
Sorri. Quase chorei. Fui embora, meio atordoado.
Dois dias depois, veio o diálogo:
"Seu nome?"
"... Moura. Mas pode me chamar de Mourão."
...
...
...
Painho, eu me calei, aos sete anos, diante da sua resposta, porque sabia que você tinha razão, sempre soube. Agora eu sei quem é Mourão. Ele tá aqui. E do mesmo jeito que o senhor me ensinou a confiar nele, que ele me daria um "dente são", eu estou confiando. Ele está me dando um "dente perfeito".
Agora, já nem sinto mais necessidade de mostrar o vazio. Ele já não há.

6 comentários:

  1. Que texto lindo, meu amigo!! maravilhoso!

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  2. Olha eu passei pelo mesmo ritual desse mourão...
    minha mãe me fazia dizer isto exatamente como ela fazia com os dentes dela, e como seu pai te ensinou...agora tenho 23 anos e hj o 1º dente do meu filhote caiu..eu pensei em guardar..como lembrança,ai mainha veio com essa de mourão novamente.. agora eu fiquei, mas mãe quem é mourão? ela disse : eu não sei. Ai vim aqui na net pesquisar e encontrei teu texto,enfim interessante saber quem mais pessoas ofertaram seus dentes para o mourão..mas eu ainda não sei quem ele é.

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    1. Dr. Mourão foi uma médico da Antiguidade que foi considerado o Pai da Odontologia. Salvou a vida de muita gente e por isso, quando ele morreu as pessoas ofertavam seus dentes caídos para que ele os ajudasse. A partir disso, se proliferou essa crendice popular.
      hahahahahahhahaahah
      Foi a história que inventei pro meu filho que teve seu primeiro dente ofertado ao Mourão!!!
      Abraços

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    2. ilário amei sua resposta...também fiz este ritual na minha infância rsrs

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